Zuretas que Assim os Fizeram
Texto de Gelson Vieira.Fotografia de autor desconhecido.
, Barreiras, Bahia.
Pois é, cada doido com sua mania. A loucura a que muitos vivenciam tem as mais diferentes e remotas motivações. Umas têm origem orgânica, outras por questões psíquicas, sociais e, por desajustes comportamentais de conveniência. Portanto, fica ao gosto do freguês. Em Barreiras temos à disposição, doidos de toda cor, qualidade e quilate.
Os malucos por conveniência não possuem qualquer anomalia descrita pela ciência médica. Mas, por outras ciências e também pelo conhecimento popular esta categoria de malucos é considerada de fraudadores, que toda a perspicácia se utiliza das organizações da sociedade civil organizada, e colocam seus nomes para avaliação pública e até são eleitos a cargos públicos. Cotidianamente os fraudadores se especializam e adquirem o carimbo de conduta legal e estabelecem um contrato tácito com a sociedade. Existem malucos que transformam, não sozinhos, os bens públicos em coisas particulares e, passam para terceiros as propriedades que não lhes pertencem. Tudo isso embasado em um “diploma legal” a “Lei de Gerson”.
O escritor José Vicente de Oliveira Neto, o Cazuza, filho de Barra do Rio Grande, descreve sobre os “doidos de rua”, em seu livro “O Vale de um Rio Preto de Águas Cristalinas”. Cazuza discorre sobre diversos perturbados mentais. Mas a um nos chamou atenção. Trata-se de Arivunga. O dito louco não era doido coisa nenhuma! Arivunga deixou a vida rural dos Brejos Barrenses e migrou para a cidade de Barra. Os seus objetivos eram em primeiro plano fazer parte da comunidade de doidos e depois tirar vantagens da benevolência dos moradores da cidade que regularmente doavam refeições aos pedintes matusquelas. Trabalhar? Ora, pra quê? E, assim tocou a vida.
Existem doentes mentais que assim se tornaram não porque houve algum desequilíbrio direto nas conexões cerebrais. Mas, proporcionadas pelas situações de vulnerabilidades sociais. A exemplo a pelagra, uma doença mental de causa nutricional. As pessoas acometidas pela pelagra sofrem de delírios, alucinações, desorganização do pensamento e agitações de caráter entre outras manifestações. Outra doença que se pensava ser unicamente de origem cerebral é a paralisia geral progressiva, ou seja, um distúrbio psiquiátrico causado pela sífilis. A primeira pela segregação social e a segunda pelo desregramento comportamental.
Então, diante da multiplicidade de azuretados destacamos uma só personagem, Badu. O louco foi escolhido a dedo pela sociedade barreirense como o doido único de sua comunidade. Não é uma decisão monocrática do escrivão desse texto.
O fato descrito adiante é um testemunho do senhor Luiz Pamplona no livro, que é de sua lavra, “Barreiras, Bê – A, ... da Barra prá cá”. Conta o escritor que depois de ter sido ele, aprovado num concurso do Banco do Brasil na cidade do Rio de Janeiro, depois de alguns anos na cidade maravilhosa resolveu retornar para Barreiras. Tão logo iniciou suas atividades na nova agencia o gerente sabedor de sua conta naquele estabelecimento recomendou ao senhor Luiz Pamplona que aplicasse parte do seu patrimônio economico em pedras preciosas, ao passo que o aconselhado logo concordou. No dia seguinte, logo que a agencia bancária foi aberta uma pessoa se apresentou e solicitou o seu intento: conversar com o senhor Luiz Pamplona. A pessoa era o tal vendedor de pedras preciosas, que logo se avistou com o futuro comprador. Pediu a este que os levasse a um reservado. No ambiente escolhido, o vendedor abriu um saco e dele deixou sair o seu conteúdo. O senhor Luiz ficou boquiaberto. Eram pedras de vários tamanhos. Mesmo o comprador não dominar conhecimento sobre pedras especiais logo identificou que não passavam de cacos de vidro. Mas, mesmo assim ousou perguntar o preço de uma delas. Imediatamente o senhor Balduino respondeu: “Cinco ribilhão”. Foi assim que Luiz Pamplona, o funcionário do Banco do Brasil e com certa quantia em dinheiro, conheceu o homem mais rico de Barreiras.
O senhor Balduino, ou melhor, Badu, tinha em sua lógica que a prefeitura, os bancos, a agencia dos Correios e Telégrafos eram de sua propriedade e, consequentemente os funcionários eram seus empregados. Na cidade todos os negociantes eram seus devedores. Inclusive os fazendeiros: pequenos e grandes, até mesmo os mendigos. Todos lhe deviam alguma soma em dinheiro. E por isso, rotineiramente percorria as casas comerciais a re-lembrar aos proprietários sobre a divida deles. Não andava sem provas. Em suas costas transportava um saco contendo diversos papeis, os tais documentos que comprovavam o seu crédito.
Badu se transformou em patrimônio material e imaterial da cidade de Barreiras e, por isso, foi defendido em suas matusquelices ao ser homenageado pelos fazedores de arte. Badu se tornou música, poesia, conto, prosa e em peça de teatro.
Quando Badu faleceu a sua sentinela contou com juízes, advogados, funcionários públicos, comerciantes e populares. Nenhum maluco recebeu até o presente momento tal reconhecimento pelos moradores de uma cidade. Caso pudesse abrir os olhos durante a sentinela e, identificar os seus assistentes, uma a um diria uma frase que costumeiramente falava quando a coisa lhe era satisfatória:
- Vocês estão por dentro da zagaia!
Gelson Fernandes Vieira nasceu em Cotegipe BA. É gestor cultural, pedagogo, fundador do Centro de Cultura e Educação Popular – CECEP. Foi representante Territorial de Cultura pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia no Território de Identidade da Bacia do Rio Grande. Estudou Projeto Cultural com ênfase em Pastoral da Cultura pela PUC Minas. Foi coordenador municipal de cultura na cidade de Barreiras e, é assessor do Ponto de Cultura Flor do Trovão em Barreiras. Instagram: @gelsoncultura, e-mail: gelsoncultura@gmail.com.