BOCAPIU

Pague Meu Ano Bom

Pague Meu Ano Bom

Por Gelson Vieira em , Barreiras, Bahia.

É tardezinha na Comunidade Alto Alegre, município de Barreiras banda oeste do Estado da Bahia. O dia caminha a passos largos e firmes ao encontro da lua que está na fase cheia e que perdurará até as 9 horas e 37 minutos do dia de Santos Reis do ano que se avizinha.

Dona Benzinha, a aparadeira de crianças da comunidade, agora com oitenta anos de idade, que muito ensinou as parturientes os cuidados e os segredos de um "bom nascer". Sempre ouviu as mulheres com paciência e ouvidos atentos aos seus gemidos, mesmo sendo canoeiras de primeira parição, até aquelas que acumulavam experiências em suas gestações. A formula encontrada por Dona Benzinha tinha como elemento principal a paciência, no saber a hora e no respeito aos desejos das parideiras, mesmo os mais absurdos.

Então Dona Benzinha neste cair de tarde do dia 31 de dezembro encaminhou-se até o seu oratório, onde se encontravam diversas imagens de santo, acendeu uma vela de cera, feita por ela mesma. A luz emanada da vela clareou proporcionando uma penumbra que encheu o cômodo, lugar de sua dormida desde quando Janu, o seu esposo, partiu para os braços de Deus. Dona Bentinha se ajoelhou respeitosamente e colocou a mão direita sobre a pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida e balbuciou palavras que somente ela sabia os significados. Em seguida, levantou a mão direita até o alto da cabeça e traçou a cruz. Pegou o terço que se encontrava à sua frente e se pôs a rezar os mistérios gloriosos. Enquanto rezava, sua mente se fazia memória. Lembrou das mulheres que perderam filhos, outras que não agüentaram o trabalho de parto e faleceram. Pensou, sobretudo, naquelas crianças que se tornaram mulheres e homens que sempre passam pela sua casa no dia de ano bom para trazer alguma lembrança e pedir a benção.

- Bença mãe Bentinha!

A pessoa estendia a mão, abaixava a cabeça e escutava solenemente as palavras da matriarca. A benção se reportava à benção de São Francisco:

- O Senhor te abençoe e te guarde;
Te mostre a sua face e tenha misericórdia de ti.
Volva para ti o seu olhar e te dê a paz.
O Senhor te abençoe!

A comemoração do ano novo ocorre de diversas maneiras pelo Brasil afora. O significado em celebrar esta ocasião em determinadas localidades ainda não foi contaminado pela globalização dos costumes. Os saberes e fazeres resistem à modernidade e perduram através da renovação e do respeito aos costumes e à tradição.

Quando em tempo de menino, lembro-me que andava com outras crianças e nos dirigíamos a casas de pessoas idosas e, ao chegar naquela residência uma das crianças dizia para a moradora:

- Pague meu ano bom!

Então, a senhora nos convidava para entrar e nos servia bolos acompanhados de suco de limão temperado com bicarbonato. Essa era uma bebida saborosa! O nosso refrigerante natural, já que o bicarbonato libera CO2, produzindo bolhas.

Depois de saciada a fome pela metade, partíamos para outras casas.

E, você como pagará meu ano bom? Eu lhe desejo uma dose de vacina. Que o ano de 2021 se torne um bem querer para todos e todas.

Gelson Fernandes Vieira nasceu em Cotegipe BA. É gestor cultural, pedagogo, fundador do Centro de Cultura e Educação Popular – CECEP. Foi representante Territorial de Cultura pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia no Território de Identidade da Bacia do Rio Grande. Estudou Projeto Cultural com ênfase em Pastoral da Cultura pela PUC Minas. Foi coordenador municipal de cultura na cidade de Barreiras e, é assessor do Ponto de Cultura Flor do Trovão em Barreiras. Instagram: @gelsoncultura, e-mail: gelsoncultura@gmail.com.