BOCAPIU

O Cais Barreirense

O Cais Barreirense

Texto de Clerbet Luiz.
Fotografia de Gelson Vieira.
, Barreiras, Bahia.

Aí está
o cais,
que traz a paz
pra quem
vive um caos;
que trouxe
pra Nicanor
mais momentos bons
que momentos maus,
tempos atrás,
depois deste laçar
touros e cair
nos currais.
Aí está
o cais,
guia de cego
pro cego Tico,
que tateia
em sua superfície
pra não se perder
no meio do caminho,
(esmerilando
suas mãos
na lixa
de cimento
de uma ponta
à outra
das bordas
ao centro
da cidade).
Aí está
o cais,
escora
de bêbados
e de quem fica
a ver navios
na falta de
barcas reais;
escora
pra Maria Espingarda
se amparar
nas horas
de delírio;
escora
pra quem
mata o tempo
na unha
encravado
em suas horas.

II

Quem tem um cais,
se lança além
dos muros e quintais;
além de si,
de chega aos
seus iguais,
como faz
diariamente,
Dão e Tomaz.
É mais
romântico
um cais de rio
que um cais
do oceano Atlântico.
É mais romântico
ver sentado nele
Nicanor entoando
seus cânticos;
ver sentados nele
Dão de Ramiro,
Nó Cego e Herculano,
balançando
suas pernas
como se o sentar
ao cais
fosse em
cadeira
de balanço;
como se a vida
não tivesse remanso;
como se, nos romances,
não acontecessem
crimes passionais,
às vezes na beira
desse cais.
Aí está
o cais servindo
de cadeira de balanço
para Dão, Paulão
e Herculano,
como se olhando
pro lado de cá
da cidade,
e não para trás,
suas vistas parecessem
ganhar óculos
de descanso,
e não óculos de grau,
e isso é visível
no semblante
de Zé Preto
e de Zé Branco;
e é também visível
em Zé Pelé
risonho e risível.

III

Cais,
um pouco acima
dos supercílios
da mata ciliar
do rio Grande;
varanda
da morada
de mendigos,
que vivem
no seu ponto final,
embaixo da ponte; ponto de encontro
entre uma ponte
que liga o passado
ao presente;
ponto onde
o canto
de antigas lavadeiras
foi cortado,
e, hoje, só a cantiga
de grilo
é que liga
a ponte de madeira
à de cimento,
de Ciro.
Cais,
ponto de encontro
de disse me disse
e leva-e-traz;
ponto fugaz
de encontro não marcado
entre casais.

IV

Cansado
de ficar em pé
esperando
barcas,
fiquei de cócoras
plantado
no chão,
igual âncoras
cravadas
nas barrancas.
O passado
bem à frente,
que vai e volta,
chegando pelas fotos
de Napoleão Macedo,
ora escapando
- como nessa imagem
de agora,
em que me debruço.
Cais,
que é banco
na praça do abismo,
onde o pescador Nicanor,
onde Dão, fantasiado
de Cão,
sentaram pra descansar;
onde Zé Pelé
Nó Cego e Paulão
balançam agora as pernas
admirando
a cheia do rio Grande.

V

Cais,
pé de balcão
de ócio;
onde se faz promessa
de futuro negócio;
pé de balcão
onde se fez amizade,
se ainda se faz.
Foz de esgoto,
e urina,
onde o areeiro Gasolina
marcou território;
onde ele e Tonha,
sua concubina,
como balaio e tampa,

rolaram por sua rampa.
E, apesar dos pesares,
quem tem um cais,
se lança além
dos muros e quintais
pra se chegar
aos seus iguais.
E onde também
deixo, sem dar um clic,
sem relâmpago
e sem lâmpadas,
escorrer a tinta
da caneta Bic
por sua rampa.
E, além de tudo,
na beira desse cais,
sussurram versos
das margens labiais
pro céu da boca
de todos mortais.

Clerbet Luiz do Nascimento é poeta e melodista. Nascido em Barreiras – BA. A sua trajetória literária teve inicio em 1983 com o livro “Barreiras um Salto Poético”. Em 1987 lançou o livro “Novas Safras, Novas Folhas”. Em 1990 realizou a sua terceira produção literária “Rodeios e Interiores”. Ultimamente criou em sistema digital “Aluados e Ensolarados”. No transcurso dos anos fez em parceria com Paulo Gabiru para mais de 40 letras musicais. Facebook: clerbetluiz.nascimento.