BOCAPIU

Nesta cidade nem todos são filhos d'Oxum

Nesta cidade nem todos são filhos d'Oxum

Texto e Fotografia de Gelson Vieira.
, Barreiras, Bahia.

A celebração do dia de Iemanjá em Barreiras é uma festa religiosa celebrada há aproximadamente trinta anos, sempre no dia 2 de fevereiro. O local são as margens do Rio Grande, mais precisamente em frente ao Mercado Cultural Caparosa – Centro velho de Barreiras, e próximo ao então Porto das Barcas. A comemoração a Iemanjá, a Rainha das Águas, tem a participação da sociedade e principalmente dos Terreiros. Não é um festejo somente para os pais, mães e filhas de santo. O povo se joga, traz oferendas, e, nas águas de cheiro se banham. Velas são acesas, tambores são tocados, paramentos em cor branca dão a tônica cultural. É paz! São simbologias que preenchem o inconsciente coletivo fazendo transbordar corações e mentes a reverenciar Odoiá. As pessoas se acotovelam na balaustrada do cais à espera do cortejo náutico. A tensão dos participantes da festa aumenta quando na curva do rio, aparecem sob canoas e lanchas as imagens dos orixás e das filhas de santas ricamente vestidas, momento forte da festa.

As águas do Rio Grande em tempos outros eram serenas. Desciam calmamente para se encontrar com o São Francisco, o Opará – Rio mar. E, por lá aos poucos, suas águas claras vão se fazendo Velho Chico na cidade da Barra dos zingueiros, barranqueiros, canoeiros, barqueiros e do Frei Luiz. O Grande nasce nos Gerais.

De uns tempos idos para os de hoje, o Rio continua a exercer duas situações: a primeira de morador destas paragens e a outra de migrante. Nessa trajetória recebe contribuições de homens e de seus afluentes, presentes ora caros, ora benevolentes. Regularmente o rio apressa o passo para contar em Barreiras que o “desenvolvimento” é voraz.

Prepostos do setor municipal de cultura espicharam no largo da festa, um pedaço de morim branco. Na faixa, estava escrita uma mensagem enaltecedora a Oxum e aos filhos e filhas que Barreiras abraçou. Uma paráfrase à composição musical de Jerônimo: “ESTA CIDADE É DOXUM”. Tão logo, a administração executiva municipal ficou sabedora da tal faixa mobilizou-se para tomar uma decisão prá lá de radical. Cometer um ato de intolerância religiosa.

Enquanto o Rio e os participantes da festa se alegravam e reverenciam a Rainha das Águas, uma ordem foi cumprida: Dois trabalhadores da prefeitura subiram um no poste da esquerda e outro no poste contrário e arriaram; enrolaram, colocaram entre os braços e depois sumiram com o material têxtil. A faixa escafedeu! Mas, da retina e da mente daqueles que a tudo foram testemunhas oculares do ato antireligioso, a faixa continuava hasteada. Porém, a frase mudou: NESTA CIDADE NEM TODOS SÃO FILHOS DE OXUM.

Por que o pedaço de pano com sua mensagem foi retirado? É importante que busquemos em nossa inteligência as correlações dos fatos, pessoas e instituições. O fato da retirada da faixa em homenagem a Oxum e aos filhos e filhas de Barreiras teve significado político, administrativo e cultural para os habitantes de Barreiras. Pois, o que se pode vivenciar durante a administração municipal que se encerrou em dois mil e doze foi a edificação de uma ideia em que o respeito pelo diverso e o diferente fosse desconsiderado.

Mesmo assim os tambores ecoaram sons que penetraram corações e consciências e o mundo rodou. Iemanjá chegou e o seu reinado aconteceu. A Praça que é do povo, foi ocupada! A despeito dessa ou daquela vontade. O Rio que a tudo viu, fez pouco caso da descortesia continuou cantando: Água de beber, água de molhar, água de benzer água de molhar.

É certo que os “meninos da arte”, ou melhor, da então Coordenação Cultural do município de Barreiras mandaram confeccionar a tal faixa, embalados pelos valores morais e espirituais que têm pelo belo e pela liberdade de expressão religiosa. A Lei maior do país assim determina e a Lei Orgânica Municipal de Barreiras também faz referência às liberdades individuais e coletivas dos moradores desta cidade que é de Oxum, do Senhor dos Aflitos, de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e também daqueles e daquelas que não comungam dos caminhos religiosos. Esta cidade não tem proprietário. As mentes desta cidade não têm setas que apontam para um só caminho político partidário e ou religioso. Este município é plural, a Bahia é mais, o Brasil é de todos.  

Os reinos que foram erguidos tendo a violência como madrinha, em um belo dia caíram em ruínas. A “rainha” que não é das águas ficou nua e pela cidade passeou, desfilando com seu it. Das sacadas e janelas, pelo cais do porto todos se escandalizavam! Ela pensava que continuava com os mesmos trajes e adornos usados nas melhores ocasiões; que estava perfumada. Mas, certo odor do seu corpo desprendia!

Gelson Fernandes Vieira nasceu em Cotegipe BA. É gestor cultural, pedagogo, fundador do Centro de Cultura e Educação Popular – CECEP. Foi representante Territorial de Cultura pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia no Território de Identidade da Bacia do Rio Grande. Estudou Projeto Cultural com ênfase em Pastoral da Cultura pela PUC Minas. Foi coordenador municipal de cultura na cidade de Barreiras e, é assessor do Ponto de Cultura Flor do Trovão em Barreiras. Instagram: @gelsoncultura, e-mail: gelsoncultura@gmail.com.